O MAL TRANSFORMADO; O MAL TRANSCENDIDO; O ESTADO UNIFICADO
Saiba que, por natureza, toda criatura busca ser como Deus.
O objetivo da natureza não é nem a comida, nem a bebida, nem a roupa, nem o
conforto ou qualquer outra coisa da qual Deus seja excluído. Quer você goste,
que não, quer saiba, quer não, secretamente a natureza busca, caça, tenta
descobrir a trilha na qual Deus pode ser encontrado. Meister
Eckhart 5
Pode ser tentador pensar que o
trabalho com o Eu Inferior só é necessário nos estágios iniciais do caminho
espiritual e que, à medida que o indivíduo explora os reinos transpessoais e
que se move em direção ao unitivo, as considerações sobre o Eu Inferior podem
ser deixadas para trás. Esse, porém, não é o caso.
O guia explicou de que modo a
obstinação, o orgulho e o medo são as principais raízes do mal pessoal. Desses
três, o medo tem se mostrado o mais difícil para as pessoas identificarem como
uma fonte de mal. Mas basta um pouco de reflexão para que se veja como o medo
de ser ferido pelos outros nos leva muito facilmente a feri-los. Como disse o
guia, o
mal é uma defesa contra o sofrimento; quer seja um sofrimento
real ou apenas temido.
Além disso, o medo é uma raiz do
mal, pois está em total discordância com a realidade última. Na verdade, o
universo é benigno e, portanto, não há nada que temer. Na realidade, o universo
é uno e, por consequência, não existe ninguém fora de mim que possa me ferir.
Nos estágios mais adiantados do
desenvolvimento espiritual, o medo é maior obstáculo. Nesse nível, o medo não é
o medo de ser ferido pelos outros. Antes, é o medo da entrega do sentimento que
o indivíduo tem de ser um Ego separado. Como afirma Meister Eckhart, toda a
natureza anseia e luta pela experiência de tornar-se semelhante a Deus, de
atingir o estado de unidade com tudo que existe. A “iluminação”é a experiência
de realizar total e completamente essa unidade divina.
Por mais estranho que possa parecer, a iluminação não
precisa ser buscada; ela já está aqui e, portanto, não e
preciso viajar para encontrá-la. Ao contrário, nós devemos ver cada vez mais
claramente as maneiras pelas quais estamos fugindo constantemente da
iluminação. Não importa quais sejam os nossos métodos de fuga, a causa desta é
medo. Tememos aquilo que desejamos. Tememos a perda da identidade separada;
tememos a morte do Ego, acreditando, equivocadamente, que isso significará o
fim da existência.
O guia apontou o fato de que a
maioria dos caminhos espirituais tentam, através de várias práticas esprituais,
levar a pessoa a uma experiência do estado unificado; e ele reconhece que por
vezes são bem-sucedidos ao atingir esse objetivo. Ele também sinalizou um
perigo inerente a esses caminhos: que é possível alcançar essa meta de transcendência
do estado humano enquanto se deixa ainda partes de si mesmo atoladas no Eu
Inferior.
Existem muitos exemplos neste
nosso século de mestres espirituais que atingiram uma substancial
transcedência, mas que revelaram ter ainda deixado por fazer uma grande
quantidade de transformação do Eu Inferior. A posição do guia é a de que a
maioria das pessoas que empreendem uma busca espiritual tenta uma transcendência
prematura, causada pela falha em ver claramente o próprio Eu Inferior e de um
desejo de estar além do ponto no qual verdadeiramente se está. O guia continua
a enfatizar, portanto, a necessidade do movimento horizontal de transformação;
a necessidade de um exame contínuo de si mesmo para descobrir o Eu Inferior e,
então, seguir adiante trabalhando esse material, transformando-o em vez de
tentar transcendê-lo.
Mas, como também já dissemos em
muitas das palestras contidas neste volume, depois de um certo ponto o trabalho
não pode ser feito a menos que a pessoa aprenda a mudar o seu senso de
identidade. Mudar, quer dizer, do pessoal para o transpessoal; da pequena consciência do Ego
para a consciência Maior. E, uma vez que essa mudança tenha sido
concluída, é correto dizer que ocorreu uma transcendência. Esse é um trabalho
na direção vertical, e não na horizontal. É claro que ambos são necessários; e
achar o equilíbrio adequado entre o horizontal e o vertical, entre transformação
e transcendência, é um dos mais sutis e mais importantes aspectos do trabalho
pessoal.
Portanto, usando as definições do
dicionário, “mudar em composição ou estrutura, caráter ou condição”
(transformação) e “elevar-se acima ou ir além dos limites de” (transcendência)
são ambas necessárias. Nos precisamos aceitar plenamente a nossa condição humana
e, então, pouco a pouco, descobrir que somos mais que simples humanos.
Ser humano é ser falho e
imperfeito, mas isso não é motivo para desespero. Vivemos num nível
intermediário, nem céu, nem inferno. Essa é a condição da nossa existência.
Nessa condição, temos uma nobreza e um propósito. Nosso propósito é,
precisamente, aprender a nos examinarmos honestamente, ver claramente as nossas
imperfeições , resolver mudar, aprender como mudar e, então, prosseguir, de
forma diligente e corajosa, com o trabalho de transformação de nós mesmos. Essa
é a nossa nobreza. É para isso que existe o estado humano. Ao prosseguir no
Pathwork de autotransformação, tornamo-nos progressivamente mais amorosos e
mais sábios. A nossa clareza aumenta, assim como a nossa coragem, a nossa
alegria e a nossa compaixão. A vida se abre, tornando-se a um tempo mais ampla
e mais profunda. A dor, o pesar e o desafio, nós ainda os teremos, mas
aprendemos a não ser esmagados por eles.
Mas, você pode dizer, não somos
todos nós algum dia esmagados pela morte? A morte só é vivenciada como uma
derrota esmagadora se a pessoa ainda estiver totalmente identificada com o Ego encapsulado na carne.
Pois até mesmo a morte perderá o seu aguilhão à proporção que vivemos a saber
que alternância de morte e vida não é mais assustadora que a alternância de
sono e vigília.
Em outras palavras, à medida que
aceitamos o nosso estado de seres humanos com as suas falhas e imperfeições, e
temos a coragem de encarar e de transformar o nosso Eu Inferior, nos fortalecemos
até o ponto de poder nos dar conta de que somos mais que humanos. Nascimento e
morte são ingredientes básicos da condição humana, mas a verdadeira essência de
uma pessoa precede o nascimento e a morte. Em outras palavras, o trabalho
contínuo na transformação do Eu Inferior resulta numa capacidade de transcendê-lo,
e a transcendência final é a que leva ao estado de unidade divina do qual fala
Meister Eckhart.
O caminho é desafiador. Como
disse Cristo, a pérola de grande preço deve ser adquirida ao custo de tudo o
que você possui. Mas a jornada é, em essência, segura. Como disse o guia, em
muitas palestras e de muitas formas diferentes: “Você não tem nada a temer”.
Donovan Thesenga
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