Existe um grande e universal desejo do gênero humano, expresso em todas as religiões, em toda a arte e filosofia e em toda a vida humana; a vontade de ir além daquilo que você é agora. Beatrice Hinkle1
Muitas pessoas ingressam num
caminho espiritual como o “Trabalho do Caminho” pela
mesma razão por que outros iniciam algum tipo de psicoterapia – devido à
infelicidade e à insatisfação com as suas vidas. Outras começam a trilhar o
caminho porque estão em busca de resposta para questões vitais. Todos os que
seguem por esse caminho devem lidar com ambos os lados, o psicológico/emocional
e o espiritual. O
trabalho psicológico, caso vá suficientemente longe, tornar-se-á
inevitavelmente trabalho espiritual. E este, para que seja
verdadeiramente efetivo, deve também lidar com a psique daquele que busca. Esta
verdade não é nova; eis aqui uma expressão dela, pelo teólogo e místico do Séc.
XIV, Meister Eckhart:
Para chegar à essência de Deus em
toda a sua grandeza é necessário antes pelo menos penetrar na essência de si
mesmo, pois não é possível conhecer a Deus sem primeiro conhecer-se a si mesmo.
Vá às profundezas da alma, o lugar secreto do Altíssimo, vá às raízes e às
alturas; pois tudo o que Deus pode fazer está concentrado ali.
Portanto, o objetivo principal do
“Trabalho
do Caminho” não é
apenas obter autoconhecimento; é mudar, transformar-se; e essa mudança é tanto
psicológica quanto espiritual. As partes precedentes deste livro ensinaram-nos
como examinar a nós mesmos e como penetrar sob a Máscara da nossa autoimagem
idealizada. Como tenhamos então a coragem de começar a vivenciar todos os
nossos sentimentos reprimidos, chegaremos, com o tempo , a saber que é a nossa
própria negatividade inconsciente que causa os problemas da
nossa vida. Esse conhecimento é necessário, se é que deve existir uma chance
para a ocorrência de uma mudança verdadeira e profunda. Nesta Parte 3, voltamos
nossa atenção para a questão de como podemos realizar a autotransformação.
1 Beatrice Hinkle, The
Re-creating of the Individual. Harcourt, Brace, 1923. 2 Meister Eckhart. Trad.
R. Blakney.
O processo de mudanças
acontece em dois níveis. O primeiro é principalmente psicológico e
emocional; nele aprendemos a nos tornamos um tipo diferente de
ser humano – tendo enxergado e abandonado nossas atitudes, crenças, medos e
comportamentos derrotistas e sabotadores de nós mesmos. O segundo nível é
predominantemente espiritual. Ele envolve uma mudança radical de
identidade, além da personalidade e até mesmo, podese dizer, além da condição
de ser humano.
Muitas mudanças psicológicas e
emocionais ocorrem simplesmente no curso do processo de aquisição de
autoconhecimento. Uma parte do nosso comportamento derrotista chega a ser vista
tão claramente, e a dor causada por ele é tão fortemente sentida, que ele é
simplesmente abandonado; desaparece. Ou, mais precisamente, a energia que tinha
estado aprisionada na negatividade torna-se novamente disponível para a
expressão vital positiva.
Porém, as últimas palestras do
Pathwork concentram-se no tema de como lidar com os padrões negativos que
permanecem paralisados e resistentes, ainda que pareçam ter sido plenamente
analisados e compreendidos, completamente sentidos, assumidos e repudiados.
Esse estágio final do trabalho depende grandemente do uso adequado de um tipo
específico de meditação.
Na meditação do
Pathwork a pessoa primeiro deve ter aprendido a descer abaixo do nível usual do
ruído mental e, então, a permanecer num estado de profunda quietude. Nesse
estado de silêncio pode-se aprender a ouvir claramente a voz da criança que
existe no Eu Inferior e a dialogar com ela. Aqui também é possível estabelecer
contato com a sabedoria e a força do Eu Superior e recorrer a elas. É nessa
fase do trabalho que o senso de identidade da pessoa começa a mudar. O Guia
declarou: “O Pathwork não é psicoterapia, embora alguns de seus aspectos devam
necessariamente lidar com áreas também incluídas no escopo daquela”. “Na
estrutura do Pathwork, a abordagem psicológica é apenas uma questão secundária,
uma forma de transpor obstruções”. “É essencial que se lide com confusões,
concepções errôneas interiores, equívocos, atitudes destrutivas, defesas
alienantes, emoções negativas e sentimentos paralisados, o que a psicologia
também tenta fazer e coloca mesmo como seu objetivo final”. “Em contraste, o
Pathwork só adentra a sua fase mais importante depois de concluído esse
primeiro estágio”. “A segunda e mais importante fase consiste em aprender como
ativas a Consciência Maior que habita no interior de cada alma”3 .
O que é a “Consciência Maior”? Ou
melhor, o que realmente quer dizer a frase “o senso de identidade da pessoa
começa a mudar”?
Existem diferentes níveis de consciência humana e
diferentes tipos de trabalho são necessários em cada um desses níveis, no
decorrer do longo processo de despertar, de tornar-se mais e mais consciente,
de tornar-se iluminado. Logo que começamos a sair do nosso sono
acordado, do nosso transe consentido, devemos penetrar as ilusões que nós
mesmos criamos e reintegrar aquelas partes de nós que relegamos à sombra.
Poder-se-ia dizer que esse é o processo de tornar-se “maior”, pois estamos
reintegrando e reclamando mais de nós mesmos. Nós re-identificamos como
pertencentes a nós aspectos que, inconscientemente, negávamos.
À medida que o trabalho
prossegue, chega-se finalmente ao estágio que Abraham Maslow denominou
auto-realização. A maioria das terapias parece acreditar que esse ponto é o
máximo que se pode alcançar; que atingi-lo plenamente representa o fim
bem-sucedido do processo de crescimento. Existem, porém, dois níveis além
deste: o transpessoal e o unificado.
3 Palestra Pathwork nº 204. “O
Que é o Pathwork?”
No nível transpessoal, a pessoa
começa a vivenciar a existência de domínios além do humano e a possibilidade de
fazer contato com esses domínios. Como afirma Ken Wilber: “A pessoa média ouve
com incredulidade quando se afirma que ela tem, aninhado nos mais profundos
recessos do seu ser, um Eu que transcende a sua individualidade e que conecta a
um mundo além do tempo e do espaço convencionais”4 . Mas na
verdade é possível, no clímax de momentos de experiência, ou de auto
transcendência, ou ainda de meditação profunda, realmente sentir a si mesmo
como um ser que vive nesse plano espiritual de existência. Foi a partir desse
nível que o Guia transmitiu o Pathwork para Eva Pierrakos, do qual vem toda
revelação verdadeira. Para aquele que se empenha numa busca espiritual, o
resultado mais prático do atingimento desse nível de consciência é que se pode
começar a viver segundo a orientação de um guia interior; pode-se estabelecer
uma ligação com esse nível de maior sabedoria e dele receber instruções sobre
como viver a vida de modo a alcançar maior satisfação.
O trabalho nesse nível
transforma-se mais e mais num processo de afastamento das preocupações da
personalidade individual e no aprendizado de como testemunhá-las com
serenidade. A pessoa descobre um centro calmo e silencioso no seu interior, o
qual existe durante todo o tempo, mesmo quando o Eu pessoal tem acessos de
raiva ou ataques de ansiedade. Portanto, uma mudança sutil aconteceu. Não estou
mais trabalhando para reidentificar partes minhas que eu rejeitei. Antes,
agora estou engajado num processo de des-identificação; estou descobrindo cada
vez mais claramente que, embora “eu” tenha “problemas”, há um Eu mais profundo
que existe sob o nível dos problemas, que precede os problemas, que existem
calmamente o tempo inteiro, mesmo através da vida e da morte.
Na medida em que aumenta o espaço
de tempo em que eu vivo nesse nível, a experiência de receber essa orientação
começa a mudar de qualidade. Eu não sinto mais que alguém fala a “mim”. Antes,
tenho um sentimento crescente de que uma parte de mim está falando a uma outra
parte de mim mesmo. Não é que alguma “Consciência Maior”esteja me enviando uma
mensagem mas, antes, que eu pareço mais e mais ser essa Consciência. Isso pode
ser bastante confuso, até mesmo fantasmagórico, por algum tempo. Mas, com o
passar do tempo, deixa de ser um transtorno; com o tempo, produz-se a sensação
de um maravilhoso e prazeroso regresso ao lar.
As palavras desta seção tratam de
meditação, dissolução de medos, identificação com Eu Espiritual e transição
para a intencionalidade positiva. Então, depois desse cuidadoso exame da
negatividade pessoal, concluímos com uma palestra que faz a abertura para a
vastidão do espaço interior e descreve como esse espaço pode ser preenchido com
o Espírito Santo.
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