- PARTE 3 - TRANSFORMAÇÃO

Existe um grande e universal desejo do gênero humano, expresso em todas as religiões, em toda a arte e filosofia e em toda a vida humana; a vontade de ir além daquilo que você é agora. Beatrice Hinkle1

Muitas pessoas ingressam num caminho espiritual como o Trabalho do Caminho” pela mesma razão por que outros iniciam algum tipo de psicoterapia – devido à infelicidade e à insatisfação com as suas vidas. Outras começam a trilhar o caminho porque estão em busca de resposta para questões vitais. Todos os que seguem por esse caminho devem lidar com ambos os lados, o psicológico/emocional e o espiritual. O trabalho psicológico, caso vá suficientemente longe, tornar-se-á inevitavelmente trabalho espiritual. E este, para que seja verdadeiramente efetivo, deve também lidar com a psique daquele que busca. Esta verdade não é nova; eis aqui uma expressão dela, pelo teólogo e místico do Séc. XIV, Meister Eckhart:

Para chegar à essência de Deus em toda a sua grandeza é necessário antes pelo menos penetrar na essência de si mesmo, pois não é possível conhecer a Deus sem primeiro conhecer-se a si mesmo. Vá às profundezas da alma, o lugar secreto do Altíssimo, vá às raízes e às alturas; pois tudo o que Deus pode fazer está concentrado ali.

Portanto, o objetivo principal do Trabalho do Caminho”  não é apenas obter autoconhecimento; é mudar, transformar-se; e essa mudança é tanto psicológica quanto espiritual. As partes precedentes deste livro ensinaram-nos como examinar a nós mesmos e como penetrar sob a Máscara da nossa autoimagem idealizada. Como tenhamos então a coragem de começar a vivenciar todos os nossos sentimentos reprimidos, chegaremos, com o tempo , a saber que é a nossa própria negatividade inconsciente que causa os problemas da nossa vida. Esse conhecimento é necessário, se é que deve existir uma chance para a ocorrência de uma mudança verdadeira e profunda. Nesta Parte 3, voltamos nossa atenção para a questão de como podemos realizar a autotransformação.

1 Beatrice Hinkle, The Re-creating of the Individual. Harcourt, Brace, 1923. 2 Meister Eckhart. Trad. R. Blakney.

O processo de mudanças acontece em dois níveis. O primeiro é principalmente psicológico e emocional; nele aprendemos a nos tornamos um tipo diferente de ser humano – tendo enxergado e abandonado nossas atitudes, crenças, medos e comportamentos derrotistas e sabotadores de nós mesmos. O segundo nível é predominantemente espiritual. Ele envolve uma mudança radical de identidade, além da personalidade e até mesmo, podese dizer, além da condição de ser humano.

Muitas mudanças psicológicas e emocionais ocorrem simplesmente no curso do processo de aquisição de autoconhecimento. Uma parte do nosso comportamento derrotista chega a ser vista tão claramente, e a dor causada por ele é tão fortemente sentida, que ele é simplesmente abandonado; desaparece. Ou, mais precisamente, a energia que tinha estado aprisionada na negatividade torna-se novamente disponível para a expressão vital positiva.

Porém, as últimas palestras do Pathwork concentram-se no tema de como lidar com os padrões negativos que permanecem paralisados e resistentes, ainda que pareçam ter sido plenamente analisados e compreendidos, completamente sentidos, assumidos e repudiados. Esse estágio final do trabalho depende grandemente do uso adequado de um tipo específico de meditação. Na meditação do Pathwork a pessoa primeiro deve ter aprendido a descer abaixo do nível usual do ruído mental e, então, a permanecer num estado de profunda quietude. Nesse estado de silêncio pode-se aprender a ouvir claramente a voz da criança que existe no Eu Inferior e a dialogar com ela. Aqui também é possível estabelecer contato com a sabedoria e a força do Eu Superior e recorrer a elas. É nessa fase do trabalho que o senso de identidade da pessoa começa a mudar. O Guia declarou: “O Pathwork não é psicoterapia, embora alguns de seus aspectos devam necessariamente lidar com áreas também incluídas no escopo daquela”. “Na estrutura do Pathwork, a abordagem psicológica é apenas uma questão secundária, uma forma de transpor obstruções”. “É essencial que se lide com confusões, concepções errôneas interiores, equívocos, atitudes destrutivas, defesas alienantes, emoções negativas e sentimentos paralisados, o que a psicologia também tenta fazer e coloca mesmo como seu objetivo final”. “Em contraste, o Pathwork só adentra a sua fase mais importante depois de concluído esse primeiro estágio”. “A segunda e mais importante fase consiste em aprender como ativas a Consciência Maior que habita no interior de cada alma”3 .

O que é a “Consciência Maior”? Ou melhor, o que realmente quer dizer a frase “o senso de identidade da pessoa começa a mudar”?

Existem diferentes níveis de consciência humana e diferentes tipos de trabalho são necessários em cada um desses níveis, no decorrer do longo processo de despertar, de tornar-se mais e mais consciente, de tornar-se iluminado. Logo que começamos a sair do nosso sono acordado, do nosso transe consentido, devemos penetrar as ilusões que nós mesmos criamos e reintegrar aquelas partes de nós que relegamos à sombra. Poder-se-ia dizer que esse é o processo de tornar-se “maior”, pois estamos reintegrando e reclamando mais de nós mesmos. Nós re-identificamos como pertencentes a nós aspectos que, inconscientemente, negávamos.

À medida que o trabalho prossegue, chega-se finalmente ao estágio que Abraham Maslow denominou auto-realização. A maioria das terapias parece acreditar que esse ponto é o máximo que se pode alcançar; que atingi-lo plenamente representa o fim bem-sucedido do processo de crescimento. Existem, porém, dois níveis além deste: o transpessoal e o unificado.

3 Palestra Pathwork nº 204. “O Que é o Pathwork?”

No nível transpessoal, a pessoa começa a vivenciar a existência de domínios além do humano e a possibilidade de fazer contato com esses domínios. Como afirma Ken Wilber: “A pessoa média ouve com incredulidade quando se afirma que ela tem, aninhado nos mais profundos recessos do seu ser, um Eu que transcende a sua individualidade e que conecta a um mundo além do tempo e do espaço convencionais”4 . Mas na verdade é possível, no clímax de momentos de experiência, ou de auto transcendência, ou ainda de meditação profunda, realmente sentir a si mesmo como um ser que vive nesse plano espiritual de existência. Foi a partir desse nível que o Guia transmitiu o Pathwork para Eva Pierrakos, do qual vem toda revelação verdadeira. Para aquele que se empenha numa busca espiritual, o resultado mais prático do atingimento desse nível de consciência é que se pode começar a viver segundo a orientação de um guia interior; pode-se estabelecer uma ligação com esse nível de maior sabedoria e dele receber instruções sobre como viver a vida de modo a alcançar maior satisfação.

O trabalho nesse nível transforma-se mais e mais num processo de afastamento das preocupações da personalidade individual e no aprendizado de como testemunhá-las com serenidade. A pessoa descobre um centro calmo e silencioso no seu interior, o qual existe durante todo o tempo, mesmo quando o Eu pessoal tem acessos de raiva ou ataques de ansiedade. Portanto, uma mudança sutil aconteceu. Não estou mais trabalhando para reidentificar partes minhas que eu rejeitei. Antes, agora estou engajado num processo de des-identificação; estou descobrindo cada vez mais claramente que, embora “eu” tenha “problemas”, há um Eu mais profundo que existe sob o nível dos problemas, que precede os problemas, que existem calmamente o tempo inteiro, mesmo através da vida e da morte.

Na medida em que aumenta o espaço de tempo em que eu vivo nesse nível, a experiência de receber essa orientação começa a mudar de qualidade. Eu não sinto mais que alguém fala a “mim”. Antes, tenho um sentimento crescente de que uma parte de mim está falando a uma outra parte de mim mesmo. Não é que alguma “Consciência Maior”esteja me enviando uma mensagem mas, antes, que eu pareço mais e mais ser essa Consciência. Isso pode ser bastante confuso, até mesmo fantasmagórico, por algum tempo. Mas, com o passar do tempo, deixa de ser um transtorno; com o tempo, produz-se a sensação de um maravilhoso e prazeroso regresso ao lar.

As palavras desta seção tratam de meditação, dissolução de medos, identificação com Eu Espiritual e transição para a intencionalidade positiva. Então, depois desse cuidadoso exame da negatividade pessoal, concluímos com uma palestra que faz a abertura para a vastidão do espaço interior e descreve como esse espaço pode ser preenchido com o Espírito Santo.

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